Letras

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Ah, o campo livre


Ah, o campo livre
letra e música de Pedro Rodrigues (2017)

ah
ah, o campo livre, a sola firme
com a linha longe no olhar
os teus olhos na matilha
mas cantando a nota impossível
sem cair

Katiusha


Katiusha (Ai, Katiusha!)
colagem de canção russa Katiusha/ italiana Fischia il vento/ nova letra portuguesa de coro da Achada

Rastvitali yablani i grushi
Paplyli tumani nad rikoy
Vykhadila na byerik katyusha
Na vysoky byerik na krutoy

Vykhadila, pessnhu zavadila
Pra stipnova sizava arla
Pra tavo katorava lyubila
Pra tavo tchi pisma birigla

Fischia il vento urla la bufera
scarpe rotte e pur bisogna andar
a conquistare la rossa primavera
dove sorge il sol dell'avvenir

Se ci coglie la crudele morte,
dura vendetta verrà dal partigian;
ormai sicura è già la dura sorte
del fascista vile e traditor.

E chegada à última fronteira
onde a terra parecia acabar
fez das botas asas e barbatanas
fez-se ao mar, aprendeu a voar

Sopra o vento, grita a tempestade
o pé descalço há de caminhar
gira a terra revolta o universo
ai, Katiusha, não basta sonhar!

Ódios de estimação


Ódios de estimação
música de My favourite things

As armas e barões empertigados
Bolsas e juros, regresso aos mercados
Ver na sanita que não há papel
Cinismo doce, mentiras de mel

Meninos armados ao pingarelho
Lantejoulas no tapete vermelho
Todo este filme excepto esta canção
Estes são meus ódios de estimação

Fachos e nabo e motos de água
Lobos do homem, hienas de farda
Vidas que sabem a favas contadas
Dedos em riste, golas empinadas

Muros e melgas e despertadores
Trinta painéis de comentadores
Queixinhas, bufos e aldrabões
Multas, castigos e repreensões

Ter muita fome e não ter almoço
Subir na vida com jipes de bolso
Marialvas e caga-na-saquinha
Os coldeplay e a bossa velhinha

Excesso de anis, cerimónias de Estado
Quem vê o caldo sempre entornado
Todo este filme excepto esta canção
Estes são meus ódios de estimação

Isto e aquilo, talvez um bocado
Mais aqueloutro e a coisa do lado
Todos e tudo e mais ninguém
Tenho a certeza e/ou não sei bem

Mas às tantas
Sem pachorra
Quase a rebentar
Conto até dez e começo a cantar...

Tudo o que eu hei de amar


O milagre de Fátima


O milagre de Fátima
Xutos e Pontapés, álbum «Puro» (2014)

Aaaaaa...

Que se cante o fado
Que se louve a saudade
Este país quer mais futebol

Aaaaaa...

Que se ponha a mesa
Na casa portuguesa
Há que iscar bem o anzol

Assina aqui, é pró milagre de Fátima
Com sorte ainda te calha uma beca
A virgem paira sobre a tua cabeça
Felicidade é consequência directa

Pega na vela, é vê-la a acender
Derrete a cera e torna a vender
Ninguém pára a irmã Lúcia
Ninguém pára a irmã Lúcia
Oh Eh
Ninguém pára a irmã Lúcia
Ninguém pára a irmã Lúcia
Oh Eh

Ô-ô-ô-ô  (x3)

Que se lixe a taça
Que é de lata
Tu queres é  que eu adormeça

Aaaaaa...

Que se pague a conta
Que se roubem os velhos
A malta aqui é de confiança

Assina aqui, é pró milagre de Fátima
Com sorte ainda te calha uma beca
A virgem paira sobre a tua cabeça
Felicidade é consequência directa

Pega na vela e torna a acender
Derrete a cera e torna a vender
Ninguém pára a irmã Lúcia
Ninguém pára a irmã Lúcia
Oh Eh
Ninguém pára a irmã Lúcia
Ninguém pára a irmã Lúcia
Oh Eh

Ô  -   ô   -  ô

Que se cante o fado
Que se louve a saudade
Este país quer mais futebol

Aaaaaa...

' Que nada se passe
' A não ser a fome
E que o país não se apodreça

Assina aqui, é pró milagre de Fátima
Com sorte ainda te calha uma beca
A virgem paira sobre a tua cabeça
Felicidade é consequência directa

Pega na vela e torna a acender
Derrete a cera e torna a vender
Ninguém pára a irmã Lúcia
Ninguém pára a irmã Lúcia
Oh Eh
Ninguém pára a irmã Lúcia
Ninguém pára a irmã Lúcia
Oh Eh
Ninguém pára a irmã Lúcia
Ninguém pára a irmã Lúcia
Oh Eh
Ninguém pára a irmã Lúcia
Ninguém pára a irmã Lúcia
Oh Eh

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Nos faltan 43

Nos faltan 43
música: «La llorona»
letra criada para manifestação no México
em protesto pelo desaparecimento de 43 estudantes (2014)

No somos todos, señores
Nos faltan cuarenta y tres

Este gobierno corrupto, señores
Nos quiere desaparecer

El pueblo camina junto, queremos
A Mexico despertar

Desde Tijuana hasta Chiapas, señores
La lucha es contra el poder

Le Narcisse et la Jonquille

Le Narcisse et la Jonquille
poema de Robert Desnos (de Chantefleurs, 1952)
tradução portuguesa: João Rodrigues
música: PR e coro da Achada (Setembro 2017)

Es-tu narcisse ou jonquille ?
Es-tu garçon, es-tu fille ?
Je suis lui et je suis elle,
Je suis narcisse et jonquille,
Je suis fleur et je suis belle
Fille.


És narciso ou margarida?
És rapaz ou rapariga?
Eu sou ele e eu sou ela
Sou narciso e margarida
Sou flor e sou uma bela
Amiga.

As mãos

As mãos
poema de Ângelo Teixeira
música: PR e coro da Achada

MamamamamaMãos
Xxxxxxxxxxxxxxxx

As mãos são o acto
Transacto
Do nosso tacto

As mãos são o jeito
O gesto
O efeito

As mãos são o estudo
O esboço
O conteúdo

As mãos são a régua
O esquadro
E a função

As mãos são a arte
Que parte
Na procura de alguém

As mãos são a impressão
Que digitaliza o corpo

sssssssssssssssssssssssssssss
Uma espécie de rato
Que cria espaços de procura
ssssssssssssssssssssssssssssss

As mãos computam a dor
E registam os valores das suas tensões

As mãos são o crédito das nossas obrigações

As mãos são as armas da nossa acreditação

Das mãos nasce o suor
O sumário
A lição

3x3

3x3
(também conhecida por Dezoitadividirpordois)
música: «Libiamo, ne’ lieti calici» de Giuseppe Verdi (La Traviata)
letra de Pedro Rodrigues e Susana Baeta
canção feita para o 9.º aniversário do coro da Achada

São mais
do que oito
e menos de 10
3 vezes 3
12 menos 3
dezoitadividirpordois

À quarta
na Achada
depois do jantar
as canções
as revoluções
vêm ensaiar

Greves atravessando pontes de ferro
Roletas de casino e dom dinheiro
Milhões que não são para o mundo inteiro
E freiras a debulhar arame farpado

São mais
do que oito
e menos de 10
3 vezes 3
12 menos 3
dezoitadividirpordois

À quarta
na Achada
depois do jantar
as canções
as revoluções
vêm ensaiar

Cidades empurradas para trigais
Banqueiros por entre campos de papoilas
Guindastes a conversar e 1 cheirinho a erva
E a Maria Luísa não quer ser serva

São mais
do que oito
e menos de 10
3 vezes 3
12 menos 3
dezoitadividirpordois

À quarta
na Achada
depois do jantar
as canções
as revoluções
vêm ensaiar

A Dulcineia mora em Little Boxes
E um belo jovem à espreita na chaminé
Diz-me lá se achas que isto é normali
Não cabe esta confusão na internacionali

(assobio)

São mais
do que oito
e menos de 10
3 vezes 3
12 menos 3
dezoitadividirpordois

À quarta
na Achada
depois do jantar
as canções
as revoluções


vêm ensaiar

São mais
do que oito
e menos de 10
3 vezes 3
12 menos 3
dezoitadividirpordois

À quarta
na Achada
depois do jantar
as canções
as revoluções
vêm pra ficar


quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Inventei só isto p'ra aquecermos

Inventei só isto p'ra aquecermos
(cânone a 4)

Inventei só isto p'ra aquecermos
e até dá pra fazer um cânone assim
o verso que se segue é do Bocage:
«o vento não se mexe, nem respira»

Venho de baixo

Venho de baixo
(cânone a 4 vozes)

Venho de baixo e venho p'ra cantar
Acho que venho cantar o que apanho
Venho lá de cima e venho p'ra descer
Daqui não saio, com este sol (x2)

Canção dos marinheiros dos bolsos vazios


Canção dos marinheiros dos bolsos vazios
música de «Drunken Sailor»
letra de Diana Dionísio


Qu’é que a gente faz
de bolsos vazios
                               - logo de manhã?

Cantamos na rua
e incomodamos
                               - logo de manhã


Qu’é que a gente faz
pra beber um copo
                               - logo de manhã?

Até lemos a sina
à cigana
                               - logo de manhã


Vai vem
eh lá, safados!
                   - logo de manhã



Qu’é que a gente faz
com a nossa fome
                               - logo de manhã?

Pegamos numa pedra
fazemos uma sopa
                               - logo de manhã


Qu’é que a gente faz
com a renda da casa
                               - logo de manhã?

Vamos pô-la ao sol
ai, a ver se encolhe
                               - logo de manhã


Vai vem
eh lá, safados!
                   - logo de manhã

Qu’é que a gente faz
se não tem tabaco
                               - logo de manhã?

Cravamos um por um
até ter um maço
                               - logo de manhã


Qu’é que a gente faz
se pedem bilhete
                               - logo de manhã?

Passamos entre a chuva
Somos invisíveis
                               - logo de manhã


Vai vem
eh lá, safados!
                   - logo de manhã



Qu’é que a gente faz
com a multa do carro
                               - logo de manhã?

É fazer barquinhos
de papel
                               - logo de manhã


Qu’é que a gente faz
de bolsos vazios
                               - logo de manhã?


Cantamos na rua
e incomodamos
                               - logo de manhã


Vai vem
eh lá, safados!
                   - logo de manhã




Original Drunken Sailor

What will we do with a drunken sailor?
What will we do with a drunken sailor?
What will we do with a drunken sailor?
Early in the morning

Way hay and up she rises...

Shave his belly with a rusty razor

Way hay and up she rises...

Put him in a long boat till he's sober

Way hay and up she rises...

Stick him in a barrel with a hosepipe on him

Way hay and up she rises...

Put him in the bed with the captain's daughter

Way hay and up she rises...

That's what we do with a drunken sailor

Way hay and up she rises...

A-A-E-I-O

A-A-E-I-O
letra e música de Sérgio Godinho
(álbum Sobreviventes, de 1971)
arranjo de Diana Dionísio

A-A-E-I-O vai para a neta o que foi d´ávó
A-A-E-I-O vai para a neta o que foi d´ávó

A vida de quem anda
às ordens de quem manda
já cheira que tresanda
não anda nem desanda
não anda nem desanda
não anda nem desanda

A vida de quem cresce
a pensar que a merece
não esquenta nem aquece
nem sequer arrefece
nem sequer arrefece
nem sequer arrefece

(A-A-E-I-O...)

(A vida de quem anda...)

A vida de quem chora
à espera duma aurora
que leve a noite embora
bem perde pla demora
bem perde pla demora
bem perde pla demora
(A-A-E-I-O...)

(A vida de quem anda...)

A vida de quem cata
pulgas numa barata
é tão longa e tão chata
não ata nem desata
não ata nem desata
não ata nem desata
(A-A-E-I-O...)

A-A-E-I-O bate na neta quem bateu n´ávó
A-A-E-I-O bate na neta quem bateu n´ávó

A-A-E-E-I bate na neta quem bateu em ti
A-A-E-E-I bate na neta quem bateu em ti

A-E-I-O-U s´a canção não t´agrada, mete-a no...

Y arriba quemando el sol

Y arriba quemando el sol
(Violeta Parra)

Cuando fui para la pampa 
Llevaba mi corazón 
Contento como u chirihue 
Pero allá se me murió, 
Primero perdí las plumas 
Y luego perdí la voz 
Y arriba quemando el sol 

Cuando ví de los mineros 
Dentro de su habitación 
Me dije mejor habita en 
Su concha el caracol, 
O a la sombra de las leyes 
El refinado ladrón, 
Y arriba quemando el sol 

Las hileras de casuchas 
Frente a frente, si señor, 
Las hileras de mujeres 
Frente al único pilón 
Cada una con su balde, 
Y con su cara de aflicción, 
Y arriba quemando el sol 


Si alguien dice que yo sueño 
Cuento de ponderación 
Digo que esto pasa en chuqui 
Pero en santa juana es peor. 
El minero ya no sabe 
Lo que vale su sudor, 
Y arriba quemando el sol 

Me volví para santiago 
Sin comprender el color 
Con que pintan la noticia 
Cuando el pobre dice no 
Abajo la noche oscura 
Oro, sangre y carbón, 
Y arriba quemando el sol

Ai as casas!

Ai as casas!
música: "El exercito del Ebro"
letra colectiva criada na oficina «Do instrumento à canção»
(Casa da Achada, Junho de 2018)

Na cidade há tubarões
Põe-te no olho da rua já
E manda a lei dos cifrões
Ai as casas! Ai as casas!

Têm fome de betão
Põe-te no olho da rua já
E nós cama de cartão
Ai as casas! Ai as casas!

Quem está fora e quem está dentro?
Põe-te no olho da rua já
Se o graveto está no centro
Ai as casas! Ai as casas!

Ontem éramos cinquenta
Põe-te no olho da rua já
Hoje já ninguém se aguenta
Ai as casas! Ai as casas!

Um T0 vira hotel
Põe-te no olho da rua já
Cobra ao dia rende mais
Ai as casas! Ai as casas!

Um T1 no rés do chão
Põe-te no olho da rua já
Limpinho vale um milhão
Ai as casas! Ai as casas!

Da igreja ao bordel
Põe-te no olho da rua já
Tudo vai virar hostel
Ai as casas! Ai as casas!

Um quartinho p'rós camones
Põe-te no olho da rua já
E o avê que ponha os fones
Ai as casas! Ai as casas!

Foi-se o Zé e a Maria
Põe-te no olho da rua já
Foram morar com a tia
Ai as casas! Ai as casas!

Na calçada rolam malas
Põe-te no olho da rua já
Cala-se o coro das falas
Ai as casas! Ai as casas!

Já que me mandam p'rá lua
Põe-te no olho da rua já
Ninguém me tira da rua
Ai as casas! Ai as casas!

Massa crítica

Massa crítica
letra de Manuela Torres
(publicada no Euroxuto 2004, edição Abril em Maio)
música criada na oficina «Do instrumento à canção»
(Casa da Achada, Junho 2018)

Este mundo é uma bola
que rebola, rola e rola
mas enquanto assim rebola
muita gente se amola.
Se isto é assim ou não é
bem pode dizê-lo o Zé.
E melhor do que ninguém!
Pois nunca tem um vintém...
Mas o Zé toca viola
porque sempre teve fé
no treze do totobola.

Cá pr'a nós (se dão licença)
a seguir ao dia oito
só tinha o Zé na despensa
três batatas e um biscoito.
E ainda por cima a Lola
queria por força uma estola...
Desesperado, o Zé já pensa
em dar um tiro na tola.
Mas por fim guarda a pistola.
Porque não tocar viola
se ainda há o totobola?

Sempre o Zé foi mau estudante
e cedo largou a escola.
Fuma agora o seu paivante
descuidado e bem estarola.
Mas ei-lo homem "de letras"
(nem pode viver sem elas)
todo cheio de aflições
e muitas, muitas cautelas.
Já empenhou a viola
e pensa, com os seus botões,
no treze do totobola.

Que não sai, puta de vida!
e o Zé descrê e medita...
Mas lá vai pagando a quota
do clube todo janota
com gestores, gente da nota
e o Zé que nada tem...
Nem sequer tem a viola
nem joga no totobola.
Já só segue na têvê
os que são donos da bola
E o Zé é dono de quê?

O cavaleiro e o anjo

O cavaleiro e o anjo
letra e música: Zeca Afonso
arranjo: coro da Achada

Passos da noite
Ao romper do dia
Quantos se ouviram
Marchando a par

Batem à porta
Da hospedaria
Se for o vento
Manda-o entrar

Vejo uma espada
De sombra esguia
Se for o vento
Que venha só

Quem está lá fora
Traz companhia
Botas cardadas
Levantam pó

Venho de longe
Sem luz nem guia
Sou estrangeiro
Não sou ninguém

Na flor queimada
Na cinza fria
Nunca se passa
Uma noite bem

Foge estrangeiro
Da morte escura
Pega nas armas
Vem batalhar

E enquanto a lua
Nao se habitua
Dorme ao relento
Até eu voltar

Há muito tempo
Que te nao via
(Um anjo negro
Me vem tentar)

Batem a porta
Da hospedaria
É aqui mesmo
Que eu vou ficar


O viandante

O viandante
poema de Carlos de Oliveira
música de Pedro Rodrigues


Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
nesta negra solidão 
só tu, miséria, nos velas.


quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Ao passar na Mouraria

Ao passar na Mouraria
(com a música da canção popular «Ao passar a ribeirinha» e de «Quatro quadras soltas» de Sérgio Godinho)
letra escrita numa oficina de canções na Casa da Achada
Junho de 2018

Ao passar na Mouraria
Tropecei num sarraceno
Não era trigo nem joio
Era o meu irmão moreno

Donde vens tu ó amigo?
Venho de longa jornada
Não tenho papéis nem visto
Amanhã não faço nada...

Mas sou quase teu vizinho
E moro num pardieiro
Sem papéis e sem pilim
Nem cama de corpo inteiro

À falta de papelada
Diz a lei dos burocratas
Se o gajo vem das Arábias
Só merece um vão der escadas

Não sou pedra nem calhau
Posso andar para mudar
O meu lugar
Para mudar o meu lugar
Para mudar

(continua com a música das «Quatro quadras soltas»)
E por não ter documentos
Fui ao SEF e pus-me à espera
Mas faltava-me uma carta
E o carimbo que não dera

Então fui recambiado
Sem emprego nada feito
E para arranjar trabalho
Procuro papel de jeito

Se lá eras engenheiro
Cá serás pá de pedreiro
Eu não sei donde tu vens
Mas és mais que os teus papéis

Dão-lhe biscates nas obras
Ao negro e sem regalias
Come merda se houver sobras
Nos bairros com moradias

No Largo de São Domingos
Caminhava rente às casas
Entre vapores e pingos
Como pássaro sem asas

Há quem o olhe de lado
Julgando que é do daesh
Se foste colonizado
Pagas caro e sempre em cash

Não sou pedra nem calhau
Posso andar para mudar
O meu lugar
Para mudar o meu lugar
Para mudar




Problema agudo n.º 1

Problema agudo n.º 1 (cadavre exquis)
Letra e música criadas numa oficina de canções na Casa da Achada em Junho de 2018

quando o intestino aperta
e a alma quer sair
daqui
não


água de beber às cabras
que os campos estão secos
secos também estão
mas nós trazemos água

com a água regamos
e cresce e cresce e cresce
aparece! salta! foge!
deita! rebola! anda! busca!

medidas inteiras redondas
meias bêbadas quase
malucas as buscas brutas
brutas que nem umas portas

solo:
é um problema agudo
e uma questão grave
que não vão lá com meias medidas

toda a gente:
que bem medida
não há meia
nem sapato

medida meia
não é meia
nem sapato

«isso é outra questão»

Ontem a pedra


Ontem a pedra
Poema n.º 22 de «Le feu qui dort», de Mário Dionísio (tradução do francês de Regina Guimarães)
Música criada numa oficina da Casa da Achada em Junho de 2018


Ontem
a pedra

Amanhã
a mão

Agora
desejo apenas

Ontem
a mão

Amanhã
a pedra

Depois de amanhã
as pedras

Quem passa diz
zás

Coro dos caídos

Coro dos caídos
Letra e música de José Afonso
Arranjo do coro da Achada

Cantai bichos da treva e da aparência
Na absolvição por incontinência
Cantai cantai no pino do inferno
Em Janeiro ou em maio é sempre cedo
Cantai cardumes da guerra e da agonia
Neste areal onde não nasce o dia

Cantai cantai melancolias serenas
Como o trigo da moda nas verbenas
Cantai cantai guizos doidos dos sinos
Os vossos salmos de embalar meninos
Cantai bichos da treva e da opulência
A vossa vil e vã magnificência

Cantai os vossos tronos e impérios
Sobre os degredos sobre os cemitérios
Cantai cantai ó torpes madrugadas
As clavas os clarins e as espadas
Cantai nos matadouros nas trincheiras
As armas os pendões e as bandeiras

Cantai cantai que o ódio já não cansa
Com palavras de amor e de bonança
Dançai ó parcas vossa negra festa
Sobre a planície em redor que o ar empesta
Cantai ó corvos pela noite fora
Neste areal onde não nasce a aurora